Hello goodbye

Último episódio da primeira temporada de "Dawson's Creek".

Dawson está no seu quarto quando vê Joey entrando pela janela, como ela faz há anos toda noite.

Dawson: Oi.
Joey: Oi.
Dawson: Você está aqui.
Joey: Pensei que a gente ia ver uns filmes hoje.
Dawson: Legal você estar aqui. Não achei que... NemNegrito trouxe fitas da locadora.
Joey: Na verdade, vim dizer que não posso ficar, então...
Dawson: Veio aqui para dizer que não podia vir?
Joey: É. Até, Dawson.
Dawson: Fica. A gente pode... A gente pode ver reprises e ficar falando mal da tv.
Joey: Acontece que ando cansada de TV. A metáfora disso tudo me deixa enjoada.
Dawson: Do que está falando?
Joey: Toda noite é igual. Ficamos enfiados no seu quarto vendo filmes e reprises. É previsível demais.

Dawson liga a tv.

Dawson: Esse seriado é demais! Sempre acaba em suspense.
Joey: Suspense? Qual é? Você devia saber que o suspense é um truque usado para aumentar a audiência.
Dawson: NegritoO suspense deixa as pessoas interessadas. E curiosas para ver os próximos episódios.
Joey: Mas, como nas nossas vidas, eles são previsíveis. Eles colocam os personagens em situações complicadas para que a gente pense que algo vai mudar, mas quer sab
er? Não muda nunca. Volta a ser como era antes. É um tédio, Dawson.
Dawson: E se desta vez for diferente? E se o suspense mudar alguma coisa? Não vai querer perder, vai?
Joey: Ainda acho que isso é uma grande armação, Dawson.

Eles se voltam para a tv e o episódio começa.

Tenho assistido muitos episódios de "Dawson's Creek" nos últimos dias, já que o que mais fiz foi ficar em casa, esperando o ano acabar. Tenho as seis temporadas da série, e já assisti tudo, há uns 2, 3 anos atrás. Conheci a série através do Rogério, que sempre me falou maravilhas dela. Acompanhei alguns episódios da primeira temporada na Record, mas a Globo conseguiu tirar do ar, já que comprometia a audiência de "Malhação" na época. Então, comecei a comprar os dvd's. "Dawson's Creek", que se traduz "O Riacho de Dawson", é uma das séries dramáticas de maior prestígio da televisão, principalmente entre o público jovem. Criada por Kevin Williamson, o mesmo diretor da atual "Vampire Diaries", tinha como protagonista o sonhador Dawson Leery (James Van Der Beek), além de seus amigos Joey Potter (Katie Holmes), Jen Lindley (Michelle Williams), Pacey Witter (Joshua Jackson) e Jack McPhee (Kerr Smith). Rapidamente ganhou grande repercussão na mídia e com o público jovem, devido à maturidade com que os personagens tratavam os temas da adolescência. Filmado nas belas paisagens da Carolina do Norte, em Wilmington e Providence, o roteiro é baseado na adolescência do próprio autor e traz carismáticos atores no elenco principal. Em Capeside, uma pequena cidade do litoral perto de Boston, eles convivem com os mais diferentes tipos de problemas no cotidiano, o que os fazem crescer e entender melhor o mundo em que vivem. Cada um precisa decidir o rumo de suas vidas. Não é nada fácil, mas, com amor e amizade, esse caminho é mais fácil de encarar.
Eu adoro a série, me ajuda a passar o tempo. Apesar disso, cansado de ficar trancado em casa, falei com Cesinha e Maikinho e resolvi sair no domingo, depois do Natal. Estava chateado, pra baixo, e precisava de um vinho. A noite estava estrelada. Na rua, o movimento de pessoas era menor do que achei que ia encontrar. No mp3 do celular, tocava... Sei lá o que tocava... Era algo pop rock dos anos 80 ou 90, nacional ou internacional, tanto faz, mas que deixa essa história com cara de ultrapassada. O presépio mecânico estava funcionando. Dei uma passada por lá, dei um "Feliz Natal" atrasado para o Paulo e a mãe dele, e segui para encontrar os meninos.
No caminho até o posto, Lislaine veio correndo do outro lado da calçada e pulou em cima de mim, me abraçando. Ela sempre faz isso. Conversamos sobre o Natal. Estávamos felizes e pra comemorar, compramos duas heinekens. Como é boa essa cerveja... Lis que me fez experimentar há alguns meses, e agora sempre que dá, eu compro. Seguimos conversando até a praça. Como me diverti com a Lis esse ano. Ela é linda, engraçada, perspicaz, completa minha piadas como ninguém. Sempre digo que ela foi quase uma ariana, pois também tem um jeito desajeitado e intempestivo. Enquanto fazíamos nossas piadas corriqueiras até a praça, eu me lembrei da festa de aniversário da cidade.

"Começou o show da banda "Os Virgens". Nessa hora, já estava com a galera, tomando uma cerveja. Curti muito o show! Os caras, vestidos com macacões coloridos, foram de Lady GaGa, Wando, Rolling Stones, Mamonas, Balão Mágico, Black Eyed Peas... Lislaine subiu no palco com Neto e Rodrigo para dançar a música do "Churros". Um barato, impagável!"

Encontramos Cesinha e Maikinho, que está solteiro de novo e voltou pra turma. Um ano já que conheço os dois... São duas figuraças que são amigos do Che há anos. Quanta bebedeira já tomamos juntos... Já tomamos chuva deitados no banco da praça. Lex Luthor sem os dois não tem a menor graça. Cesinha me ensinou alguns passos de psy. E eu já cheguei em várias meninas pro Maikinho. É muito bem humorada a forma como os dois levam a vida, e encaram os problemas. Fomos pro Mancha tomar um vinho. O Mancha foi nosso canto preferido em 2010. Muitas conversas-cabeça, muitas risadas, muito vinho e rock 'n roll.

"E um dia você se vê num bar, conversando e cantando com um catador de latinha, que tem unhas sujas, dentes da frente podres, roupas encardidas, mas o mesmo gosto musical que o seu, tá tão cansado de tudo e das mesmas coisas, do mesmo jeito que você. Grita liberdade,liberta fantasmas e mágoas, vomita ao cantar Raul Seixas, Capital Inicial, Cazuza, o grande mestre Zé Ramalho. Tanto teatro presente, um bando de atores usando a música como texto e apresentando o seu inconformismo, no palco da vida."

Tocou Beatles na nossa última noite do ano no Bar do Mancha. Aliás, a música dos Beatles esteve presente em vários momentos nossos esse ano. Foi Beatles que encerrou nossa caminhada em mais um espetáculo da Quintal das Artes, o primeiro que eu dirigi.

"O palco estava vazio, as cadeiras desarrumadas. Era confete e serpentina pra todo lado. Fui até a vitrola e perguntei para o Che: "você viu que isso aqui funciona?". Coloquei o disco dos Beatles. 'Hey Jude' ecoou pela SAT, na velha vitrola potente do Paulo. Ouvimos a música, enquanto sentíamos a energia que ainda rodava pelo espaço, o calor humano da arte, do aplauso, da vontade de ser e acontecer em cena, espíritos despertados pelo som da criação. A música acabou. O silêncio voltou. Saímos. Era o fim de mais um espetáculo."

Foi um beatle também (e foi o que o Paulo assistiu ao vivo no Morumbi em 2010) que tornou o evento de Natal que não aconteceu num dos momentos mais emocionantes desse ano.

"Enquanto esperávamos, o som rolava lá fora com músicas de Natal de John Lennon. De repente, 'Imagine' ecoou na praça Carlos Gomes. A galera do teatro estava quase toda com camisetas de bandas de rock. Che, Neto e eu, vestíamos camisetas dos Beatles. Num coral improvisado, todos cantaram a canção imortal de John Lennon das janelas do museu, com os braços para o ar, e o coração cheio."

Falando em teatro, 2010 superou todas as nossas expectativas. Foram vários projetos. Uma nova Quintal das Artes nasceu na cidade. Logo no início do ano, um desafio: Sexo dos Anjos. Che e eu voltamos a atuar. Dessa vez, juntos, pela primeira vez. Viajamos com a peça para um festival, e mesmo que não levamos nenhum prêmio pelo espetáculo, saímos de cena com sensação de missão cumprida. Foi delicioso encenar o texto de Flávio de Souza. Todos os ensaios, as apresentações, todo o trabalho valeu a pena.

"Cigarro, oração, abraço no meu grande amigo, um grande cara, um grande ator nascendo ali. Começou. Meu Deus, que emoção, que coisa boa! Um dos melhores momentos para o ator, pisar no palco no primeiro segundo de espetáculo, ouvir a respiração do público, buscar confiança nele, sentir o cheiro da arte. Foi uma noite perfeita! Risos na hora certa, silêncio arrepiante, depois suspiro de alívio, cabeças pensantes tentando desvendar o mistério das duas personagens. O aplauso. Foi tudo ótimo, dentro daquilo que almejávamos."

"Somos Todos do Jardim da Infância" também nos marcou bastante. Lembro que tremi na base quando Paulo me disse na biblioteca que eu iria dirigir o espetáculo. Foram meses difíceis, sem sono, ansiosos, preocupantes. Mas o resultado foi belíssimo. Todos que assistiram saíram satisfeitos e encantados. Conseguimos reunir um ótimo elenco, que mostrou a que veio e lotou a plateia da SAT nos 3 dias de apresentação.

"Me tranquei no quarto, liguei o som. Cantei, cantei muito. Alegria, alegria; Soy loco por ti America, I want to hold your hand, Call me, Hey Jude... Me acalmei. Pensei em tanta coisa. também não caberia aqui. Coração estava em frangalhos, sem força, batendo ora rápido, ora devagar. Na SAT, andei de um lado para o outro. Todos estavam nervosos, a sua maneira. A peça começou. Meus pais estavam na plateia, e tivemos um público muito bom nessa noite... Os aplausos vieram. Plateia em delírio. Paulo emocionado, com os olhos marejados. Eu não estava diferente. A noite seguinte foi mais especial. Mais público, mais aplausos e a peça mais redondinha. Tudo saiu como queríamos. Meus pais me cumprimentaram no final e eu vi, novamente, meu pai com os olhos vermelhos de emoção, orgulhoso de mim."

Depois da noite de rock no Mancha, Lislaine, Cesinha, Maikinho e eu saímos de lá, assim que o bar fechou, meio altos, com 2 garrafas de vinho que tomamos, seguimos até em casa. Lislaine tentava se equilibrar no salto agarrada em mim. E eu tentava me equilibrar com a Lislaine. Na esquina de casa, sentamos na calçada. Elton apareceu também. Conversamos mais um pouco. Minutos depois, nossa última noite juntos acabou.
Terça-feira foi meu último dia de trabalho na biblioteca em 2010, junto com a Lis. Na segunda, Josi e Fatinha trabalharam. Meu Deus! Quanto trabalho que a biblioteca nos deu... O jeito que a encontramos e o que ela é hoje, é irreconhecível. Paulo conseguiu reunir uma ótima equipe que deu gás, sangue, e conseguiu transformar o mundinho tambauense das letras num lugar agradável e acessível. Os projetos realizados lá contribuíram bastante com a nova biblioteca. Tivemos o projeto Agosto Folclórico, que apresentou o novo espaço aos alunos de todas as escolas de ensino fundamental da cidade.

"Os atores da Quintal das Artes estão dando um show de interpretação, divertindo e encantando as crianças. A Fatinha, funcionária da biblioteca, tem um jeito todo especial para contar histórias aos pequenos. As professoras, na sua maioria, saem satisfeitas da biblioteca, que possui agora novas instalações e está totalmente modificada para atender às necessidades dos seus sócios. O fato é que o projeto vem sendo muito prazeroso para todos nós. Especialmente em relação ao Teatro, é maravilhoso trabalhar para crianças, o público mais sincero que pode existir. Vê-los com os olhinhos brilhando ouvindo o canto da Yara, e dando gargalhadas com o fazendeiro correndo atrás do Saci e do Lobisomem, já vale todo trabalho."

Outra apresentação teatral que fizemos na biblioteca foi com fantoches, em mais um ótimo desempenho dos atores do grupo de teatro que encantaram as crianças.

"Cerca de 100 alunos das escolas de ensino fundamental compareceram na biblioteca no período da manhã acompanhados dos professores. A tarde, mais 150. Estava um calor terrível. Mas deu tudo certo. Todos saíram satisfeitos com o trabalho e mais uma vez a biblioteca apresentou um ótimo projeto. A história da peça foi adaptada por mim e pela Fatinha. O sapo Risonho se apaixona pela macaquinha Lindinha, e com a ajuda do amigo-jacaré Bacana, tenta conquistar sua amada com a brincadeira do bem-me-quer, mal-me-quer. A peça divertiu as crianças, que cantaram, dançaram, riram e treinaram matemática com os personagens."

O dia passou rápido, e para um dia da semana de ano novo, o movimento foi muito bom. Lislaine logo de manhã ficou presa no armário pelos cabelos. E eu tropeço o dia todo. Penso que se trabalhássemos sozinhos lá todo dia, não iria sobrar muita coisa da biblioteca. Fechamos e a missão por lá também estava cumprida em 2010. Foi a última vez que vi a Lis no ano.
Quinta-feira saí com minha família. Fomos até um pizzaria com minha mãe e meus tios. Rodamos, rodamos, e achamos um lugar aberto, em Santa Cruz das Palmeiras, cidade vizinha da nossa. Foi agradável. Rimos muito. Sonhei, sonhei e tracei na mesa todos os planos para passagem de ano novo do dia seguinte no Rio de Janeiro. Será que dava tempo de chegar, de ônibus? As pizzas chegaram. Meia aliche e meia calabresa, meia frango e meia portuguesa. Foi uma noite e tanto...
No último dia do ano, falei com o Che pelo celular logo de manhã. Os telefones em Tambaú passaram a manhã toda sem funcionar, mas depois tudo voltou ao normal. Tinha combinado com Che de ir até sua casa a tarde. Falei com Alan, tentei fazer com que ele fosse, mas alguns imprevistos o impediram de ir comigo. Fui sozinho então. Che e eu, pra variar, discutimos na ultima semana, por causa de uma besteira que aconteceu na noite de Natal, mas que foi decisiva pra mostrar para os dois como tudo ainda continua complicado, impossível de resolver. Os últimos dois natais antes, passamos a madrugada juntos na praça da cidade (o primeiro, o Alan também passou conosco), conversando e rindo até o sol nascer. E isso sempre foi importante pra mim. Sabia que esse ano, isso não iria acontecer, por causa da cirurgia que o impediu. Nesse natal, naquela conversa pelo celular, eu percebi que talvez não foi tão importante assim...
Bom, a tarde foi tranquila. Não conversamos sobre o ocorrido. Penso que nem precisava. Um sabia o que o outro tinha pra dizer. E estava, mais uma vez, tudo resolvido, até a próxima vez... Che está bem. Pode agora fazer movimentos com a perna. Não precisa mais ficar deitado o dia todo. Semana que vem, ele começa a fisioterapia. Estamos todos confiantes de que logo o teremos de volta. Alan ligou. Ele estava resolvendo os últimos detalhes da apresentação teatral da qual participou a noite, na missa do Santuário. Alan continua longe de nós. Quase não o vemos. Mas ele disse no telefone que Che e eu fomos os primeiros amigos de verdade que ele conseguiu aqui em Tambaú, e que isso não mudará nunca. Che e eu conversamos a tarde toda, sobre tudo. Foi como se tivéssemos nos conhecido a uma semana. Sempre é assim. Fizemos a maratona "Dawson's Creek". Assistimos 4 episódios da primeira temporada. Falei da série o ano todo pra ele, e finalmente, tivemos a chance de assistir. Eram quase sete horas da noite quando fui embora. Desejamos feliz ano novo um para o outro. E eu fui embora. Foi a última vez que o vi em 2010.
Sozinho em casa, antes do reveillón, minhas companhias foram as redes sociais, os desejos de ano novo e as músicas da Kiss FM. Soube pela Paulinha, a @fenix_manca, do especial das 500 melhores da rádio. Bora lá!
O meu reveillón foi em família, mas meus pais, tias e primos. Dançamos, bebemos, comemos, festejamos. Meu celular tocou um pouco depois da meia noite. Era uma ligação de Limeira. Era Carla, que conheci em Santa Rosa, na primeira vez que Che e eu fomos juntos pra lá com o John Móvel. Falei com ela, nos cumprimentamos, nos saudamos, e ela disse que tinha alguém lá que queria falar comigo. E eu me lembrei...

"Não tem mais nada pra falar. Os olhares se cruzam, dessa vez mais apertados e mais assustados. Há um silêncio, mas rola uma música nos ouvidos uma música particular. Os dois vão chegando perto e o beijo rola, lento, um tiro no escuro. Depois clareia tudo e fica mais quente, e mais seguro. Foram 20 minutos de carinho. O coração aguenta isso tudo? Não tô falando de paixão, mas sim de química, aquela que faz o coração bater mais rápido, o sangue passar apressado pelas veias. Tem aquela vermelhidão no rosto. Você pensa que o mundo é seu, e esquece de tudo."

Ouvi pelo celular as mesmas saudações e cumprimentos, e também que era adorável ouvir minha voz, e que a ligação era pra isso. Sei lá. Por um momento, eu parei e não soube o que pensar. Quis usar as mãos e modificar a história toda, modelá-la do jeito que eu sempre pensei e quis que fosse. As palavras estavam ali sendo ditas, e era exatamente tudo aquilo que precisava ouvir... Logo depois, como na noite de Natal, falei com o Che. Ele estava na casa da avó com a família dele. Assim como no Natal, desejamos tudo que queríamos...
Os fogos de artifício cortaram o céu da cidade, no meio das chaminés das cerâmicas, tão evidentes por aqui. O barulho era forte, no meio de aplausos e gritos de euforia. O colorido estampou o céu que quase não tinha estrela. Era a esperança do novo ano brotando no coração acelerado das pessoas. Minha família e eu assistimos tudo da calçada, enquanto nos cumprimentamos nos primeiros segundos de 2011.

Eu não sei se foi assim que aconteceu, mas foi assim que pareceu.
Num novo ano que entra, tenho medo que tudo continue igual. Mas sempre muda. Tudo muda. Pode ser que não aconteça nada do que eu quero. E isso é bem possível. O fato é que não importa como a história vai acabar, mas sim a certeza de que, pelo menos, me diverti até o final.

Uma noite de Natal

"Era uma vez uma princesa chamada Isabela. Ela era uma dançarina das estrelas. Ia passar a vida dançando entre elas. E era abençoada, pois, podia voar de estrela em estrela. Mas também, Isabela era amaldiçoada, porque cada estrela que visitava, tinha que abandonar. Essa era a história, viver a eternidade dançando entre as estrelas, livre como um pássaro, mas sozinha. Isabela espalhava alegria para cada estrela que visitava, mas sempre partia."

Noite de Natal. Minha família toda reunida, feliz, com os braços cheios de pacotes; na mesa, os mais variados pratos, um bom vinho, a coca-cola que não pode faltar. No rosto de todos, ou de quase todos, um sorriso, de quem quer que a noite seja especial e abençoada. A época de Natal sempre foi mágica pra mim. Me lembro do meu pai sair mais cedo do trabalho, e dele ajudando minha mãe na cozinha, que sempre assa alguma carne pra ceia. Me lembro do cheiro dos temperos, do telefone que não parava de tocar, e da agitação da cidade. Tudo me empolgava, até os fogos de artifício que soltavam durante todo o dia. Me empolgava tanto que era como se caísse neve e eu visse tudo pela janela. Ouvia músicas de Natal enquanto esperava ansioso a chegada da minha família, que sempre teve a tradição de ir à missa antes da ceia. Quando chegavam, era muito barulho, e os cheiros se misturavam. Todo mundo vestido com a melhor roupa, alguns até estreando. Meus primos e eu correndo pela casa e aguardando a meia-noite chegar, afinal, Papai Noel poderia aparecer a qualquer hora.
Quando tinha uns 7 anos, enfiei na cabeça que ia vê-lo, e fiquei atento na árvore de Natal, que todo ano montava com minha mãe na sala. Ela era toda prateada e com bolas vermelhas. E no último galho, um anjo tocando uma flauta. Naquela noite, fui até a sala muitas vezes, e nada de presente. Até que, na última vez, corri e encontrei os pacotes debaixo da árvore. Olhei para a porta e vi uma sombra, de alguém que acabara de sair. Corri até a porta e não vi ninguém, só uma estrela que piscou pra mim. E eu jurei durante muito tempo que aquela estrela era o bom velhinho indo embora. Depois, foram mais alguns anos que passei a noite de Natal olhando pro céu, esperando ver o trenó passar.
O clima natalino toma conta de todos. Na última segunda-feira, Lislaine, Marcinha e eu chegamos para abrir a biblioteca, e levamos um susto ao encontrar pacotes embrulhados por todo lado. Cada um tinha um cartão na frente, com os nossos nomes. Eram os panetones que o Paulo nos presenteou, com um bonito cartão da Quintal das Artes. Josi e Fatinha trabalharam na terça-
-feira. Fizemos um revezamento. Sexta-feira da semana passada, foi o último dia que as vi esse ano. Nos cumprimentamos e desejamos boas festas, depois de lancharmos na cozinha da biblioteca.
Lislaine me acompanhou nos últimos dias na compra dos presentes que faltavam. Fomos também visitar o Che, na terça-feira. Ele tinha ido ao médico naquele dia e não estava mais com a perna toda imoblizada. Foram 5 dias com a perna toda enfaixada. A cirurgia aconteceu mesmo naquela quinta-feira, e foi muito bem sucedida. Falei com a mãe dele na quinta a tarde, e ela deu a notícia de que estava tudo bem. Na sexta, Che já estava em casa. Agora, ele está andando com o auxílio de muletas, e ainda não pode dobrar a perna, tendo que ficar o tempo todo com ela esticada. Na próxima semana. voltará ao médico para tirar os pontos e depois, iniciará a fisioterapia. Ele não sente dor e a única coisa que realmente o incomoda, é ter que ficar em casa, de molho. Voltei para visitá-lo também na quinta-feira. Passei a tarde toda por lá. Temos assistido a uns filmes, e ouvido umas músicas também. Em breve, tudo voltará ao normal.
Nesse ano, mais uma vez aconteceu o tradicional amigo secreto em família. Pra mim, é a hora mais divertida da noite. Damos muitas risadas, tiramos fotos, e esperamos ansiosos a abertura de cada presente. Presenteei minha tia Vera, assim como no ano retrasado. Além de uma caixa cheia de souvenirs, que comprei de palhaçada, dei uma coletânea dos Beatles. E ganhei, da minha
prima Thalita, uma camiseta do Queen. Presentes entregues, todo mundo satisfeito, e chegou a hora da oração. Nos demos as mãos, agradecemos pela união naquela noite, por estarmos todos juntos mais um ano, e rezamos. Meia-noite, é Natal! Nasceu o menino Jesus, em nossos corações. E dá-lhe champanhe, vinho, comidas que só aparecem no Natal, e todo mundo conversando ao mesmo tempo. Mandei mensagens de texto para a Lis, para o Alan, e falei com o Che no celular. Ele estava na casa dele, com a família.
A festa acabou às 3 da manhã, com todo mundo caindo de sono. E no dia seguinte, na hora do almoço, tinha mais confraternização. O almoço de Natal foi em casa. Me senti muito feliz por ter meus pais, minha família, que tem problemas como qualquer outra, mas que não trocaria por nada desse mundo. Deus me abençoou muito quando me colocou no caminho de todos eles...
Eu sou o sobrinho mais moleque, então sobra pra mim a diversão da criançada na piscina. É um tal de fazer touro mecânico, de levar de cavalinho, de nadar junto... A criançada não me dá folga, e isso me rende boas dores musculares depois... Tia que não entra na piscina também se molha. Eu saio da água e corro pra abraçar, sento no colo. É um barato!
Nesse Natal, pensei em tanta gente, em tanta coisa, e mandei a todos muita energia positiva, de amor e de paz. Faltou só um ritual, que cumpri durante 5 anos, ligar para uma pessoa que sempre foi muito especial, mas que esse ano se afastou de mim. Enviei um e-mail de boas festas.
Não esperava resposta, mas ela veio, no dia seguinte. Isso não significa nada. Continuamos distantes, cada vez mais. Cada um seguiu seu caminho da maneira que pôde, mas saber que o respeito e a consideração ainda continuaram vivos, já foi especial. Eu perdi e perdi muito pelo caminho que esse riacho percorreu esse ano. Perdi a noção de prioridades. Perdi a pessoa mais especial que já cruzou meu caminho, dei valor a quem não merecia, a quem nunca me mereceu. Ah, se eu pudesse voltar atrás, acender a chama. Se tivesse pedido desculpas na hora certa, se tivesse aberto meus olhos antes... Podia ter pego o primeiro ônibus pra São Paulo e ter tentado resolver as coisas a tempo. Cogitei durante dias a hipótese de aparecer, de surpresa, na época em que nos separamos. Pensei em abrir meu coração, em pedir perdão. Mas não. Imbecil que fui! A vida é tão engraçada que não me poupa de me mostrar todo dia o quanto que fui equivocado. Nos últimos dias, pensei numa maneira de resolver tudo, de parar de errar, de fazer algo bom por mim mesmo, mas me preocupei também em não ser injusto com ninguém, nem precipitado. O dia de Natal me mostrou o caminho a seguir, e eu vou levar como presente, pra vida que segue, pro tempo que não pára. O mais importante ainda pode ser resgatado, eu mesmo. E é só isso que deve importar agora.

Todos os seus pedidos

"Eu pedi pro tempo passar bem devagar. Pedi que as noites fossem longas e silenciosas. Pedi que cada minuto virasse uma estrela, que fosse caindo aos poucos, no compasso do esquecimento. Eu quis muito que as horas ganhassem mais 60, 600, 6000 minutos, já que não era possível deixar tudo como estava pra sempre. Eu pedi que houvesse mais tempo pra tudo, e que esse tempo fosse longo e arrastado. Eu quis mais tempo pro vinho do final de semana, pra ressaca do dia seguinte, pra conversa com os amigos, para as apresentações culturais, até pro trabalho, mais tempo para ouvir música que faz lembrar e sonhar, mais tempo pra dormir, pra acordar, mais tempo de sol, mais tempo de chuva, mais dança, mais saudade e menos lamento, mais tempo pro amor e pro desamor também. Não dá pra controlar o tempo, não dá pra controlar nada, nada que vem e nada que deve ir. O tempo vai passando e esmagando tudo, sem dó nem piedade. O relógio não roda mais devagar quando a felicidade faz visita, ou morada".

A época do Natal é quando as famílias se reúnem pra celebrar, comer, beber, trocar presentes, relembrar aqueles que já se foram. Tem familiar que você só vê nessa época do ano, e se é chegado, nem dá tempo de contar tudo que aconteceu. Natal é com a família da minha mãe, sempre foi desde que me entendo por gente. Minha avó faleceu e minha mãe desde então é quem cuida dessas festividades. Num sábado desses, minha família se reuniu para um passeio em Ribeirão Preto. Tias, tios, primas, mãe, divididos em três carros, partimos para a minha cidade natal, onde faz o pior calor que já vi. Minha avó era descendente de espanhóis; meu avô, de italianos, de onde veio o "Tomazini". Essa mistura fez surgir uma família de sangue quente, verdadeiramente italiano, correndo nas veias.
É um tal de falar alto, de reclamar, de fazer confusão... É discussão na hora de decidir a hora da saída, na hora de estacionar, na hora de escolher o restaurante para o almoço, na hora de decidir quem senta com quem no restaurante, na hora de escolher em qual loja entrar... Nossa, que gente mais chata! Às vezes, olho para minha família e penso que a vida pode ser bem menos complicada. Em casa, não tenho problemas. Meus pais são sossegados. Vivemos em paz, mas também temos nossos ataques de arianos de vez em quando. O bom do passeio no centro de Ribeirão foi a loja de artigos de rock por onde passei. Fiz umas comprinhas: camisetas e pulseira. Antes, na Americanas, adquiri duas coletâneas oficiais dos Beatles, e uma do Michael, em promoção.
A promessa do passeio em família era finalizar com um cineminha no fim da tarde. Mas o único filme que caberia no momento, seria "O Massacre da Serra Elétrica", então abrimos mão da idéia. Nos contentamos em comer umas porcarias no Mc Donald's e fazer algum
as compras no Carrefour. Quando eu era criança, tudo parecia maior. Meu pai me levava sempre pra passear no Ribeirão Shopping, e me lembro da nítida sensação de querer morar lá. A prateleira de discos do Carrefour me enchia os olhos.
Queria comprar tudo. Hoje tá tudo tão banal. Nem se tem mais o prazer de se comprar um cd, sentir o cheiro do encarte, tomar cuidado pra não amassar, ouvir a obra completa e pensar na idéia que o artista teve. Tudo é resolvido através de um clique.
Chegamos em Tambaú todos exaustos. Tomei um banho e só quis ficar em silêncio, depois de um ou dois telefonemas. O silêncio tem me revigorado, quando tem sentido de paz e tranquilidade. Tenho pensado tanto, em tanta coisa que nem sei. Mesmo cansado, no sábado a noite, eu saí, com Che e Cesinha. Maikinho está namorando há 1 ou 2 semanas e parou de sair conosco. Nossa turma diminuiu mais um pouquinho. Nós três, querendo fazer a noite diferente, fomos para Santa Rosa, a cidade vizinha, com o John Móvel. Impossível não lembrar que, naquelas ruas, começou uma história de pouquíssimos capítulos, que acabou sem final, e sem muita audiência. Contrariando o agito que Santa Rosa foi naqueles dias de início de paixão, nessa noite, a cidade estava deserta. Eram 3 ou 4 gatos pingados. No Grêmio, lugar onde acontecem bailes toda semana, fomos impedidos de entrar. Era um baile para casais, mais velhos. Sentamos na frente de um boteco nos arredores da praça e bebemos umas cervejas.
Domingo foi dia de confraternização do teatro em casa. Os atores e atrizes da Quintal das Artes compareceram numa tarde de muito calor. Piscina, música, salgadinhos e churrasco! Wagner começou a festa me jogando na piscina, de all star e tudo. E depois foi indo, um a um pra dentro d' água. Num determinado momento, enquanto o som tocava Beatles, todos cantaram "Let It Be", numa grande celebração de jovens que tentam resgatar na arte e na música aquilo que a geração em que nasceram, não inspira. Strawberry fields forever!
Estes últimos dias foram de muito calor, e de chuva também, sempre a tardezinha.
Lislaine e eu passamos a semana
toda ajudando na decoração de Natal dos prédios da cidade que a Quintal das Artes ficou responsável de enfeitar. Na companhia do Zé Eli, ator do Grupo Curtura e funcionário da prefeitura há anos, e do Paulo, que quando não estava resolvendo algum problema, aparecia por lá. Nosso primeiro destino foi o prédio da prefeitura. Depois, fomos para a outra sede, que fica na antiga estação de trem da cidade, que mais tarde virou uma fábrica. E a última parada, foi no museu, que breve será inaugurado. Lis e eu nos divertimos muito. Zé Eli foi receptivo com nossas ideias e trabalhamos juntos numa boa. O que prejudicou foi o calor. Penso que bebia uns 2 litros d'água por dia. Almoçamos todos os dias numa lanchonete. Foi hambúrguer a semana toda. Vida de rei! Quando a prefeitura atrasava algum serviço ou quando esperávamos Zé Eli aparecer, Lis e eu deitávamos na praça Carlos Gomes, ligávamos o mp3 do celular e tentávamos nos refrescar do calor insuportável. A volta para a biblioteca foi na sexta-feira, com panetone pra comemorar o fim do trabalho que, aliás, ficou lindo.
Uma noite antes, os funcionários da biblioteca se reuniram na pizzaria para a confraternização de final de ano. Trocamos presentes num amigo secreto meio manjado. Paulo me presenteou. Eu
presenteei a Josi, que presenteou o Paulo. Marcinha presenteou Che, que presenteou Marcinha. Já Lis e Fatinha trocaram então presentes entre si. Gozado isso! Ganhei uma camiseta do Led Zeppellin muito da hora. Nossa, comi muito essa noite. E me diverti também. Nunca havia participado de uma confraternização de colegas de trabalho. Nunca estive trabalhando nessa época, certinho, com carteira assinada. Foi bom! Depois da festinha da biblioteca, Lis, Che e eu fomos para o posto. Nos últimos dias, Che andou muito estranho. Estava sempre sonolento, calado, com olhar triste, preocupado. Não respondia direito ao que se falava pra ele. Imaginei que fosse por causa da data da cirurgia, que se aproximava. E estava certo! Não posso negar que isso me preocupou muito e me deprimiu bastante também. Che sabe disso, viu isso. Ele não estava preocupado com a cirurgia em si, mas sim com o fato de ter que ficar em casa, de rep
ouso, sem poder sair. Eu passei semanas com isso martelando na minha cabeça. Não podia demonstrar, ficar tocando toda hora no assunto. Tinha era que dar força pra ele, tentar mostrar o lado positivo de tudo. Sei lá como eu me saí nisso. Ele me conhece tão bem, melhor que qualquer outro amigo meu, que acho meio impossível que não tenha percebido. Nessa noite, quando ele me deixou em casa de John Móvel, conversamos um pouco. Combinamos de aproveitar os últimos dias da melhor maneira possível, sem tristeza, sem fossa. E tentamos acreditar que os dias que virão, passarão logo.
Sexta-feira, fui com Che e Leandro até a prefeitura, onde está instalado o Presépio Mecânico "Paulo Rocco". Ele foi criado em 1945, pelo avô do Paulo Rogério, que era artesão, e há gerações, vem encantando as crianças tambauenses. São 150 figuras movimentadas, com muita luz, e um riacho que corta a cidadezinha. Che e eu encontramos todos os personagens desta história no presépio. Josi está na pontinha em cima do riacho, Fatinha está lavando roupa, Lislaine e Leandro no balanço do parquinho. Alan serrando madeira na casinha do lado do sino. E assim vai.
A noite de sábado foi da Lislaine. Che e eu fomos conferir o festival da escola de dança que ela frequenta. Já tinha visto Che a tarde. Ele foi até em casa e assistimos partes do filme do The Doors. Paramos porque íamos nos atrasar. O festival estava com um público muito grande. Foram 2 horas de espetáculo. Lislaine apareceu na parte adulta, dançando lambada, dança de salão, tango, cha-cha-cha e forró. Ela é alta, grande, luminosa. Lis se transforma dançando, vira outra pessoa bem diferente da desajeitada de voz fraca que aparece toda semana por aqui. Ela cresce, tem movimentos certeiros, e as pernas mais bonitas que eu já vi numa garota de quase 18 anos. Senti muito orgulho dela. Tinha mesmo que estar ali prestigiando seu trabalho.
No meio do festival, Che e eu nos estranhamos, após uma piadinha qualquer, bobinha. Eu mesmo nem entendi. Na verdade, o mal de sermos próximos demais é a liberdade que temos um com o outro de ficarmos putos, de descontarmos um no outro nossa raiva, seja ela qual for. Mas isso não atrapalhou a noite. Logo esquecemos. Nós, Cesinha, Neno e Du, um amigo de infância do Che que eu conheci através dele já há algum tempo, fomos para a Lex Luthor. Lá fora, chovia. E lá dentro, estava um calor insuportável. Pingávamos suor. A ventilação da balada é péssima. E a banda era ruim também! Sei lá, eu mesmo não estava nem aí. O que menos me interessava nessa noite era me divertir na balada. Meus pensamentos eram outros. Che e saímos e sentamos, debaixo de chuva, lá fora. Foi uma conversa deprimida, sobre a vida, sobre o que ainda estava por vir. Penso que disse tudo que queria dizer. Ele está comigo o dia todo, em tudo que eu faço, em toda minha rotina. Quebrar isso assim, agora, de uma hora para outra, vai ser difícil mesmo. Ele representa um grande apoio que tenho, uma grande segurança. Durante muito tempo, nada que acontecesse era tão ruim, porque ele esteve comigo. E eu sempre retribuí isso também. Durante muito tempo, eu não fiz nada na minha vida sem antes saber sua opinião, sem ouví-lo. Há uma semana, era só nisso que eu pensava... Saímos de lá às 4 da manhã, já com os meninos por perto. Nem senti a hora passar. Voltamos a sorrir, e a noite acabou.
O dia seguinte foi em família novamente: aniversário da Giovana, a nossa priminha caçula. Há anos que a festa acontece em casa. Meus pais são padrinhos dela. A família toda estava lá. Meus primos de Campinas, minha prima Andresa que se casou esse ano, até o Juninho, irmão dela, que também é meu padrinho, por quem tenho grande respeito e admiração. Aline foi com o namorado novo, gente boa! Ele encarou a família na viagem para Ribeirão Preto também. Primeiro dia com a família da namorada, ele foi um dos que mais suou naquela tarde quente... No fim da festa, minha família tirou os papéis do amigo secreto. Sim, minha família faz amigo secreto há anos. Acaba sendo divertido e inusitado! Coloquei Beatles pra tocar, para que relembrassem os velhos tempos de bailinho na sala da casa de minha avó, quando usavam papel crepon na lâmpada pra colorir o ambiente.
A noite de domingo foi repetitiva. Meus amigos e eu sentamos numa mesa do Bar do Mancha, pedimos um vinho e ficamos lá conversando, ouvindo Raul, como muitas vezes nesse ano. Pra mim, essa repetição foi o melhor que poderia ter acontecido. Me senti protegido, invencível, como se começássemos tudo de novo, como se a história voltasse atrás para revivermos os melhores momentos num flashback da vida. Olhei aquele cenário, aquelas pessoas, Cesinha, Elton e Che, e uma melancolia doce pairava em cima de nossas cabeças. Olhei para o Che, que é um cara muito desligado, avoado, e dessa vez, foi só o que bastou para ele entender tudo que eu queria dizer. Todos nós rimos, conversamos, brincamos muito nessa noite. Aproveitei cada segundo, como quando assisto um filme agradável na tv e rezo para que não acabe logo.
A segunda passou. E terça foi o último dia do Che na biblioteca, antes da cirurgia. Nos últimos dias, mal se ouvia a voz dele por lá. Saí mais cedo os dois dias para ensaiar os atores da peça para uma apresentação, na frente do museu da cidade. Debaixo de um sol escaldante, os atores mandaram ver nas coreografias da peça nas escadarias do museu. Mais tarde, teve a sessão solene no Salão Paroquial, promovida pela Câmara Municipal, que premia os melhores alunos, atletas e atores do ano. Che estava lá com a mãe e a irmã. Neto, Gabriel e Tales foram prestigiar os colegas. Lislaine também apareceu. Joãozinho estava lá fora quando cheguei e, vez ou outra, entrava para pegar uns salgadinhos e um copinho de refrigerante, na maior cara dura. A sessão solene seguiu tranquila, com alguns erros técnicos, alguns erros de português e alguns discursos
descabidos. Sempre pensei que, quem não tem o que dizer, não deve dizer nada. Mas, o mais importante da noite aconteceu: a alegria de Che e Camila ao receberem as placas, de melhor ator e melhor atriz do ano de 2010.
Saímos de lá, Che, Lis e eu, debaixo de uma garoa que caía desde às 7 da noite. Andamos pela rua Dr, Alfredo Guedes, onde as lojas estão abertas. A rua está toda enfeitada, mas o movimento, por causa da chuva, ainda não surpreendeu. O clima era de felicidade, com um certo incômodo escondido. No dia seguinte, Che iria fazer sua última consulta com o médico, e enfim, saber a data da cirurgia. Seguimos até a praça Carlos Gomes. Tiramos algumas fotos. Foi quando olhei para os dois, abraçados, e pensei no quanto que eles são importantes pra mim, em quantos momentos
compartilhamos juntos durante todo esse tempo. Queria imortalizar isso tudo, guardar tudo numa caixa e abrir toda vez que a solidão ameaçasse aparecer. Che e Lislaine estão comigo desde quando voltei de São Paulo, com uma mão na frente e outra atrás, sem amigos, começando minha vida de novo. E eles são com certeza, os melhores amigos que poderia encontrar.
Dia seguinte foi de correria. O evento "Natal na Estação" estava sendo preparado na frente do museu. E os funcionários da biblioteca estavam ajudando na organização. Fatinha e Josi saíram para comprar os comes-e-bebes que seriam servidos aos integrantes do coral. Marcinha fez o café e o chá. Eu fiz, de última hora, o texto de apresentação do evento e a divulgação
pela internet. Lis ajudou nós todos, em tudo. Paulo deve ter passado quase o dia todo lá, arrumando o palco, checando o som, preparando o museu. Saí da biblioteca às 6 da tarde e quando estava no caminho de casa, Paulo me ligou. Queria saber se Che toparia se vestir de Papai Noel. Eu tinha certeza que sim. Quando cheguei em casa, no telefone com Che, que já havia chegado de São João, ele confirmou o que pensei, ele seria o Papai Noel naquela noite. E disse também que iria se internar no dia seguinte, de manhã. Serão 8 meses de fisioterapia diária, dependendo da sua recuperação.
A chuva não deu trégua para o nosso natal na estação. A iluminação fica até mais bonita em noite de chuva, mas não era o que queríamos naquela hora. Na incerteza de como tudo
aconteceria, foram aparecendo os alunos do teatro, o pessoal da biblioteca, as autoridades, Che,
Lis, e finalmente, o coral "Cantigas e Modernas", de Santa Cruz das Palmeiras. Enquanto esperávamos, o som rolava lá fora com músicas de Natal de John Lennon. De repente, "Imagine" ecoou na praça Carlos Gomes. A galera do teatro estava quase toda com camisetas de bandas de rock. Che, Neto e eu, vestíamos camisetas dos Beatles. Num coral improvisado, todos cantaram a canção imortal de John Lennon das janelas do museu, com os braços para o ar, e o coração cheio. O evento teve início, ali mesmo, na varanda. O coral de Palmeiras iniciou sua apresentação dentro de uma das salas. E nós assistimos todos da varanda. Foi emocionante, de arrepiar. A cantoria começou com "Chalana", passou por "Marcas do que se foi" e terminou com "O Natal existe", clássica música que eu cantei na formatura da primeira série, quando tinha 8 anos e estudava na escola Padre Donizetti. O elenco da peça e os músicos Clayton dos Reis e Jader de Oliveira, não se apresentaram. A chuva não deu trégua. Mas o Papai Noel tinha que aparecer de alguma forma. Convenci o Che a vestir a roupa do bom velhinho. Tiramos muitas fotos, todo mundo se animou, e eu tenho certeza que ele não irá esquecer disso nunca.
A noite foi chegando ao fim. Sobramos Che, Lis e eu. Sentamos protegidos da chuva e ficamos um tempo em silêncio. Os três sabiam da realidade do dia seguinte e queriam que não fosse verdade. Meio em dúvida, fomos para o posto. Ficamos por lá uns 20 minutos. Arriscamos mais umas fotos, algumas piadas pra descontrair, e o silêncio que ainda predominava. Entramos no John Móvel e saímos para ir embora. No caminho até a casa da Lis, o silêncio agora era ensurdecedor. Mas não tínhamos mesmo muita coisa pra dizer. Já que tudo aquilo era verdade, que então passasse rápido e da melhor maneira possível. Eu quieto, no banco de trás, baixava os olhos. Não queria que vissem nenhum reflexo do meu rosto, em nenhum espelho. Tínhamos que ser fortes. Afinal, tudo dará certo. Deixamos a Lis e seguimos para minha casa. Eu pensei em tanta coisa que queria dizer naquela hora. Sabia que seria ruim, doloroso, mas era a chance de dizer o quanto me importo, e dar força pra ele. Mas não consegui, sequer abraçá-lo. Apertei-lhe a mão, disse que ficasse com Deus, e que, qualquer coisa que precisasse, qualquer hora, quando se sentisse sozinho, poderia me ligar. O que eu mais quis naquela hora foi sair do carro, me esconder. Me senti um copo transbordando. Não ia conseguir dizer nem fazer mais nada. Saí do carro, o vi dobrando a esquina, e fiquei um tempo, estático, no portão de casa, sem reação. Como podia ter sido tão trouxa de não ter dito nada, de não demonstrar o quanto será ruim ficar longe, mesmo que ele já soubesse, mesmo que todo mundo já soubesse. Entrei, liguei pra ele no celular. Nos falamos depois pela internet, durante uns 15 minutos. Ele tinha que dormir, pois sairia de madrugada. Eu disse o quanto que me importo, reafirmei que ele pode contar comigo pra tudo, e prometi que, no ano que vem, tudo será melhor. Os últimos tempos foram difíceis pra nós, só nós que sabemos. E só eu posso mudar isso, mesmo que me acabe, que seja a duras penas. Tudo será diferente, eu jurei isso. Sequer deixei que ele falasse algo sobre isso, é um compromisso que assumi. Pedi que ele me ligue quando chegar. Um pouco mais aliviado, nos despedimos. Ao invés do tradicional "até mais" que a gente sempre usa, enviei um "Abraço, amigo!". Ele retornou com um "Abraço, irmão!". Foi quando a noite mais triste do ano, acabou.

Eight days a week

A última apresentação da peça aconteceu no último sábado e surpreendeu a todos. A SAT estava lotada e tivemos que pegar cadeiras no camarim para que o público todo se sentasse. Eufórico, esse mesmo público aplaudiu os atores de pé. Era a última vez que esse trabalho, que foi doloroso, cansativo, mas de resultado muito satisfatório, era apresentado. Meus olhos encheram de lágrimas quando o elenco cantou
"Eu te amo, meu Brasil" pela última vez. Abracei meus amigos, Che e Lislaine, que estavam igualmente felizes pelo resultado. Meus pais, tias, amigos, pais dos alunos, até a Paulinha (que sempre acessa o blog), estavam lá, prestigiando. Paulo e eu subimos no palco, entregamos os certificados de participação aos atores, e os prêmios de Melhor Ator e Melhor Atriz. Camila ganhou os prêmios de Melhor Atriz nas duas votações, na dos próprios atores e na eleição feita pelo Paulo e por mim, visando o desempenho do grupo durante o ano todo. Os prêmios de Melhor Ator foram para Rodrigo e Neto, empatados na votação do grupo. E o outro, como Melhor Ator do Ano foi para o Che, merecidamente, pelo desempenho na peça "Sexo dos Anjos". Fiquei louco, me mordi de vontade de contar pra ele, já que sabia há semanas que ele era o escolhido. Mas me aguentei e a surpresa aconteceu. Che mal podia acreditar. Subiu no palco e me disse entre-dentes: "eu vou matar você" hehe. Mas ele gostou.
A SAT foi esvaziando, esvaziando. Fazia uma noite bonita lá fora. Todo mundo foi se despedindo. Sobramos Paulo, Che, Lis e eu. Paulo arrumava o camarim e levava os equipamentos para o carro. O palco estava vazio, as cadeiras desarrumadas. Era confete e serpentina pra todo lado. Fui até a vitrola e perguntei para o Che: "você viu que isso aqui funciona?". Coloquei o disco dos Beatles. "Hey Jude" ecoou pela SAT, na velha vitrola potente do Paulo. Ouvimos a música, enquanto sentíamos a energia que ainda rodava pelo espaço, o calor humano da arte, do aplauso, da vontade de ser e acontecer em cena, espíritos despertados pelo som da criação. A música acabou. O silêncio voltou. Saímos. Era o fim de mais um espetáculo.
Um final de semana antes, aconteceu o Motofest aqui em Tambaú, no Recinto de Eventos. Estes últimos dias não foram bons. Matei um leão por dia. Teve uma hora que achei que não iria suportar. Ia surtar, quebrar tudo, mandar tudo para o espaço. Era a estreia da peça que chegava, meus pensamentos que me consumiam, e meu coração, pequeno, se esmagando aos poucos. Ensaiamos a peça na sexta-feira. Che e Cesinha me encontraram no final e descemos todos para o Motofest. Os meninos do teatro foram também. Entrei como responsável por eles. Se eles bebessem, era rua pra nós todos. Mas eles se comportaram e ficaram só na coca-cola, sem rum, ok? Naquela noite, a banda Nota Promissória se apresentou. Assistimos o show delas na SEUNIT desse ano, numa noite em que ganhei um beijo que nunca achei que ganharia. Mas isso é relato antigo e está por aqui em algum lugar... A banda toca rock e é composta só por garotas adolescentes. Pouco curti o show nessa noite. Minha cabeça estava tão longe, em pensamentos tão perto, e tão impossíveis. Na noite seguinte, Maikinho estava conosco. Essa foi divertida. Teve dança das cadeiras entre nós. Caí de maduro, legal no chão, com as duas pernas pra cima, quando ia me sentar e Cesinha puxou minha cadeira. Todo mundo viu, e riu. Ahh mas não ficou barato. Estava meio bêbado de vinho, nem liguei, mas escondi a carteira do Cesinha, o que fez com que ele ficasse boa parte da noite sem cerveja. Isso tudo era eu tentando ficar bem. Éramos nós tentando ficar bem. No domingo, curtimos o Motofest durante a tarde. Lis estava lá. Leandro deu o ar da graça também. Numa conversa descompromissada com o Che, sentados na grama, vendo o show de cima, eu vendo tudo amarelo, por causa do meu novo óculos de sol, que comprei do Marco Antonio por um preço absurdo hehe, o assunto era destino. Sempre que estamos de bode um com o outro, demoramos pra conversar, pra resolver as coisas. Ficamos tentando resolver na marra, assim, sem ter que passar por situações duras, nem conversas muito tensas e difíceis. Fingimos que está tudo bem, tentamos ficar de boa, até que finalmente não dá mais pra fugir do papo bravo. Enquanto não rola, jogamos indiretas no meio das conversas descompromissadas. O fato é que me lembro de ter dito pra ele nesse dia que, não sabemos nunca qual será o nosso destino, o que vamos fazer, como e com quem vamos terminar, e se vamos terminar com alguém, mas que tenho certeza de algo, de que nada será como a gente deseja. Isso não quer dizer que não haverá uma certa felicidade implícita, ou explícita, nisso tudo. Na sexta-feira, noite da segunda apresentação da peça, Lis, Che e eu saímos. Acabamos no bar do Geraldo. Lis tem compromisso no sábado de manhã, aula de inglês, por isso, sempre vai embora mais cedo na sexta. Che e eu sobramos, mas ainda não tivemos o papo bravo nessa noite. Falamos de teatro, de vida, fomos agradáveis, gentis. E ficamos bêbados de cerveja. Nunca ficamos bêbados de cair, nem de passar mal. É muito raro. Quando acontece isso, a descrição aqui é "tomamos um porre". Não foi o caso. Acho que eu fiquei embriagado com as minhas próprias palavras. Uma certa hora, não sabia mais o que falava, nem perguntava, e se estava tentando fugir do pauta principal. Eu sei que fui embora contando os passos. Só não chutei porque chutar de all star com a sola gasta dói demais... Nem usei o fone de ouvido. Foi no auto-falante do celular que saiu a trilha da cena. Não me lembro, mas acho que tocou Scorpions.
No sábado depois da peça, estava no auge do cansaço e do stress. Queria sair pra comemorar, com os meus amigos. A tarde tinha sido uma deprê total. Fui até a praça com a Lis e o Che, mas não durei muito. A cólica de rim me pegou nessa noite. Comecei a sentir durante o espetáculo, mas pensei que ia passar logo, como das outras vezes. Mas veio forte. Liguei para o meu pai e ele foi me buscar. Estava pálido de dor. Não conseguia respirar direito. Meus pais me levaram para o Pronto Socorro. Injeção na veia, depois na polpa (isso é ótimo, me sinto um maracujá!). Me deixou com a garganta seca, os olhos ressecaram e minha lente de contato parecia gillete nos meus olhos. Cheguei em casa, me livrei dela no banheiro (da lente, ok?) e caí na cama. Dormi. Dormi muito.
Domingo fiquei de molho o dia todo, sem dor alguma. Entrei na internet a noite para esperar o Che aparecer para combinarmos a saidinha. Eu ia finalmente comemorar o sucesso da peça. Nada! A dor voltou forte de novo. Tomei remédio e rezei pra passar logo. Dessa vez, não era caso de Pronto Socorro. Che entrou na internet. Disse que não ia sair por causa da dor. Continuamos conversando e, na hora mais imprópria que podia haver, o papo bravo começou. Tentamos fugir logo depois, mas não tinha mais jeito.
Eu sei que foi uma grande merda. Perdemos o controle e dissemos coisas duras, mas que os dois queriam dizer há dias. Depois, tudo se amenizou. Mas o que ficou decidido, estava de pé: o afastamento. Tudo já havia se transformado num fardo muito grande pra carregar. Nenhum de nós merecia mais isso.
Seria mais fácil conversar pessoalmente, mas tudo parece mais corajoso atrás da tela do computador. Ganhamos coragem pra sermos como quisermos, bons ou maus. Mas foi assim que aconteceu e uma pedra estava sobre o assunto.
A dor no rim passou. Na segunda, ela incomodou um pouco, mas logo voltei ao normal. E as pedrinhas ainda não saíram. Verei um flashback desse final de semana em breve. A semana na biblioteca foi de trabalho atípico. O espaço está cheio de guirlandas, enfeites de Natal, e renas de madeira. É a decoração de Natal que a Quintal das Artes está preparando para enfeitar alguns prédios da cidade nas próximas semanas. O pessoal da biblioteca vem ajudando a arrumar alguns detalhes. Fatinha e Lis estão cuidando das guirlandas, com muita cola quente e criatividade pra tanta bola, flor, maçãzinha, laço, passarinho e sino. Lis voltou a trabalhar na biblioteca todo dia, agora que suas aulas acabaram. Aliás, essas últimas semanas foram muito importantes para ela.

Terceiro colegial... Término de ciclo e início de uma nova era.... Estamos quase no Natal. Vixe, o tempo passou muito depressa, quase não percebi. Só tive noção de realidade quando professores e colegas começaram a dizer frequentemente: “Os vestibulares estão chegando! Quem for prestar, se prepare!” Até eu às vezes acabava dizendo e me perguntando que faria depois do colegial, o que eu seria... Veio então as inscrições pra os vestibulares. USP, UNESP e o tal do Enem...
Não foi fácil mandar os documentos para o vestibular da USP, pois de um lado diziam que documento tal teria de ir, o outro não. Do outro vestibular, diziam o contrário. Chegamos a um ponto de extrema confusão, até uma luz acender e enviarmos os tais... o Enem foi mais fácil devido ao uso da internet para a inscrição.
Para a Unesp, não fiz a inscrição. Já estava na fase “que vá tudo pro raio que o parta”, Fiz o Pasusp,q ue é uma prova de 50 questões da USP, para fazê-la precisei ir para Ribeirão preto devido a opção que fiz no momento da inscrição, mal sabia eu que dava pra fazer em Pirassununga, hehe.
Em novembro veio o Enem. Quase pirei uns dias antes e nos 2 dias de prova tinha sempre alguém pra falar no dito cujo. Foram 2 dias, 90 questões em um dia e mais 90 no outro, mais a dissertação. Odeio redação, nunca fiz uma descente e não seria aquele dia que iria fazer. Teve depois a FUVEST, que me fodest toda, não fui bem.
Entrega de Trabalho, apostila, Conferir visto do Caderno e provas... Chega à camiseta de Formatura... Olho atrás dela e estão os nomes dos seres na qual convivi quase 1 ano. Uns convivi mais, outros nem olhei no rosto direito, mas os nomes deles estão ali pra lembrar que eles passaram por mim, pela minha vida." (Lislaine)

Che fez uns desenhos de renas natalinas. Paulo mandou cortar as renas de madeira, e Che e eu pintamos todas com tinta branca essa semana. Agora, ele está desenhando os olhos, e os últimos detalhes. Fatinha enfeitou a árvore da biblioteca, com enfeites em formato de livrinhos, num trabalho totalmente artesanal. Ainda nesse clima natalino, decidimos como será a confraternização de final de ano da biblioteca. Tiramos os papéis do amigo secreto, e a festinha acontecerá na semana que vem.
Outra confraternização que vem por aí é a do teatro. Encontramos o elenco todo na quinta-feira pra combinar tudo.
Depois de uma semana comprida, exaustiva, o que eu mais queria era o final de semana. Saí da biblioteca na sexta-feira sem acreditar que tinha chegado. Estava animadíssimo pra sair e combinei com a Lis e o Che. Nós conversamos na terça-feira a noite sobre tudo que aconteceu, sobre a conversa difícil do domingo, e ficamos numa boa. Desistimos do lance de nos afastarmos. Pra mim, por mais que tenha tentado, é muito difícil fazer isso. Então, ficou o dito pelo não dito. E a história sossegou, voltou pra debaixo do tapete. E chega de falar dela...
A Lis não apareceu na sexta-feira, houve um desencontro. Na verdade, acabei sem saber se ela saiu ou não. Che e eu, meios sem destino numa cidade quase deserta, fizemos a noite no "Sabor & Sede", com alguns amigos dele, que ele conhece desde a escola. Bebemos cerveja. Eu já tinha bebido antes, no posto. Depois, encontramos o Leandro na praça. Bebemos mais um pouco com ele. Eu sei que fiquei muito mal. Decidimos comer numa lanchonete, pois todos estavam com uma larica terrível. Eu deitei no banco do John Móvel atrás, quase dormindo, até lá. Comemos num silêncio total na mesa. Cheguei em casa mal enxergando a fechadura do portão. Entrei, tirei a lente, que a essa hora irritava meu olho. Tirei a roupa, o all star, e capotei na cama. Nem sonhei.

Somos todos do teatro

Em 1996, minha família morava numa casa no centro da cidade, do lado da farmácia onde meu pai até hoje trabalha. Era uma casa velha, com teto de madeira carunchada. Tinha um quarto só e, por isso, passei boa parte da minha infância dormindo no mesmo quarto que meus pais. Eu estudava na Escola Padre Donizetti, que era pertinho de casa. Ia todo dia a pé pra escola. Passava no mercado Abackerli, que era na mesma rua e até hoje continua no mesmo lugar, comprava um Fandangos e um chocolate pro recreio, e ia estudar. Meus amigos estavam sempre em casa. Meu pai pagava sorvete pra nós quase todo dia, já que a sorveteria era muito próxima da minha casa. Todo dia a noite saía de bicicleta pra pedalar na praça. Ficava dando voltas no quarteirão, e sempre parava na locadora Fox Vídeo pra ver as prateleiras. Foi lá que um dia roubaram minha bicicleta. No mês de outubro na minha rua, a Dr. Alfredo Guedes, tinha a Festa da Amizade. Eu adorava. Estão aí grandes lembranças de brincadeiras e comilanças da infância. Meu pai nessa época já tinha um fusquinha, mas na nossa casa não tinha garagem. Ele guardava o carro na oficina do Seu Mauri Rocco, pai do Paulo Rogério, que fica nos fundos da casa dele. Seu Mauri alugava a oficina para guardar carros dos moradores da região que não tinham garagem em casa. Numa noite, quando meu pai guardava o carro, vi o grupo de teatro que o Paulo dirigia na época ensaiando na garagem. Era o Grupo Curtura que ensaiava, se não me engano, a peça "Seis Personagens a Procura de um Autor". Os atores usavam roupas bonitas, falavam alto e eram enormes aos meus olhos de criança. Ficava admirado e olhava tímido, com a cabeça baixa. Não devia entender nada mas gostava muito do que via. Isso aconteceu durante várias noites. Em uma delas, meus pais e eu ficamos mais tempo e assistimos algumas cenas a mais. Meu pai então começou a perceber meu interesse e conversou com o Paulo, que me convidou para entrar para a Escola Municipal de Teatro, que ele também dirigia com o apoio da Prefeitura. Mas a vergonha e o receio me seguraram ainda durante 2 anos. Em 1998, ainda morava no centro e numa noite, fui com amigas minhas até o Centro Cultural, onde Paulo ensaiava. Começava ali minha história no teatro.
Apresentamos naquele ano o musical "Casa de Brinquedos". No começo dos ensaios, fiquei tímido sim, receoso, mas fui me soltando, até que comprei o cd com as músicas da peça e numa tarde na casa de uma amiga minha, montei a coreografia da "Bicicleta". Cheguei no ensaio naquela noite e disse pro Paulo que tinha algo pra mostrar pra ele. Foi só a primeira. Algumas coreografias da peça fui eu que montei. Eram simples, infantis, mas me orgulhava tanto delas. No ano seguinte, veio mais um musical, dessa vez, "A Arca de Noé". No cartaz da peça, em vermelho, vinha escrito "Coreografias de José Ono Junior". Eu tinha 14 anos e não tinha noção do tamanho disso.
Nessa época, o Grupo Curtura continuava seus projetos. As peças eram mais bem produzidas, tinham figurinos especiais, iluminação, e uma estrutura bem diferentes das pecinhas que a gente fazia na Escolinha de teatro. Eu assisti "Uma Serpente no Seio de Roma" e pensei que um dia iria conseguir chegar ali, trabalhar naquele grupo, com aqueles atores e aí sim eu seria importante.
Minha trajetória no teatro continuou. Em 2001, montamos "Tribobó City". Fiz o "El Mexicano", até hoje um dos personagens que mais gostei de fazer. Numa apresentação para a escola Alfredo Guedes, lembro das crianças correndo atrás de mim nos fundos do Centro Cultural e gritando "los indios, los indios" e pedindo autógrafo hehe. Foram meses andando pela cidade e ouvindo gente gritando o bordão do Mexicano. Em 2002, fizemos leituras de uma peça de Domingos de Oliveira, "Somos Todos do Jardim da Infância". Adorei o texto e gostei logo de cara do personagem "Felipe". Mas a peça não aconteceu. A escolhida foi um clássico de Molière, "O Médico a Força". Nunca vi um público rir tanto quanto nessa peça. Era gargalhada do começo ao fim. Mutreta e eu éramos uma dupla infalível nessa época, mesmo vivendo às turras. Era ego demais num grupo só.Logo depois, um novo desafio, "Édipo Rei", tragédia grega de Sophocles. Fazia o "Tirésias". Usava uma maquiagem pesada. Raspei a sobrancelha e o cabelo. Tirésias era cego e da boca dele saía a perdição de Édipo. Com essa peça, encarei meu primeiro festival de Teatro, em Pirassununga, o que não foi uma experiência boa. Era importante demais pra mim e o nervosismo já me tirava do sério.
No ano seguinte, veio minha primeira apresentação como "Herodes", na Paixão de Cristo.
Mas a mais elogiada foi a de 2004, quando Paulo dirigiu "Inri - Pietá". Até hoje ele diz que foi minha melhor atuação, que nunca me viu tão bem em cena. Eu já estava em São Paulo, cursava o curso profissionalizante de ator no Teatro-Escola Célia Helena. Morava sozinho numa kitnet da Alameda Santos, perto da Avenida Paulista. Meu pai pagava a escola pra mim. Ele não gostou muito da ideia quando soube que queria me formar como ator. É uma profissão difícil, instável, e bem concorrida. Mesmo contrariado, querendo que eu cursasse Medicina ou Farmácia, meu pai sempre me apoiou. Em 2005, apresentava a peça "Portobello Circus" em São Paulo, no Teatro Célia Helena. O camarim do teatro ficava em cima do palco, e de lá de cima, se via a plateia atrás da cortina preta. Meus pais estavam em São Paulo. Era a minha primeira peça que eles iriam assistir em São Paulo. Puxei a cortina preta e vi os dois sentadinhos, no meio de toda aquela gente bacana, encantados com o teatro e ansiosos para me verem em cena. Eu usava uma maquiagem toda branca, era o dono do circo na peça. Naquele momento, não resisti à emoção e derreti um bocado dela. Queria que meu pai se orgulhasse e visse que seu esforço para me manter em São Paulo não era em vão, que a minha alma era de artista e se não fosse assim, eu não seria nada. Foi a primeira vez que encontrei meus pais com os olhos marejados depois de me verem atuar. Ali, naquela noite, tive a certeza que estava no caminho certo.
Passei 5 anos em São Paulo, 3 deles estudando. Fiz várias peças com a escola e uma profissional apresentada durante 3 meses no Espaço dos Satyros. Participei de muitos testes, fiz teste até na Globo hehe, atuei num curta-metragem, muita história que nem caberia aqui agora. Trabalhei com telemarketing também durante um tempo, e passei também muito tempo como ator desempregado. Cresci muito como pessoa durante esses 5 anos. Me apaixonei muitas vezes, quebrei muito a cara, vi meus sonhos surgirem e escoarem pelo ralo várias vezes. Durante esse tempo, ainda fiz alguns trabalhos com o Paulo. Ministrei alguns laboratórios com os atores e participei do grande sucesso do Curtura, "A Gaiola das Loucas". Em 2008, voltei para Tambaú.
Estava perdido, com uma mão na frente e outra atrás, sem amigos, sem nada.
Todo mundo estava fora, fazendo a vida. Pra mim, eram vários passos pra trás. Paulo então me chamou para acompanhar o ensaio de "O Príncipe da Quermesse". Foi quando conheci os atores e o novo grupo que tinha se formado enquanto estava fora. Li o texto, ouvi as músicas e as ideias começaram a surgir. Com a permissão do Paulo, comecei a mexer na peça. Fiz muitas coreografias e o espetáculo depois de 2 meses de trabalho, ficou pronta. A peça foi um sucesso. Tivemos um público ótimo durante as 3 apresentações e todo mundo saiu satisfeitíssimo. Na última apresentação, quietinho, na última cadeira da plateia, me emocionei muito. Teatro é minha vida e ele estava presente novamente nela. Ver os garotos trabalhando, curtindo o que eu curtia quando tinha 13, 14 anos, foi tocante. Demorei um tempo para entender que Deus escreve certo por linhas tortas. Quis a vida toda trabalhar com teatro, e estava. Num lugar diferente e de uma forma diferente, mas estava vivendo de arte.
Em 2009, o teatro se fez ainda mais presente. Passei em um concurso da prefeitura e dei aulas de teatro nas escolas durante 6 meses, até quando o projeto acabou. Na SAT, continuei trabalhando com o Paulo, assumindo maiores responsabilidades. Foi sofrível no começo. Tinha medo, me sentia despreparado. Me formei como ator, e não como diretor, e a ideia de aprender assim, na raça, me assustava demais. Fui me adaptando aos poucos ao grupo, ganhando intimidade, me soltando, e o medo foi passando. Nesse ano, dirigi junto com o Paulo a peça "Tribobó City", a mesma que atuei em 2001. A peça foi bem musical e agradou muito as crianças que prestigiaram. Além dessa, também me apresentei com "Confissões de Adolescente", onde contracenei com as meninas do grupo. Era pai delas, foi uma experiência ótima.
Em 2010, o trabalho na Quintal das Artes seguiu em frente. No início do ano, surgiu "Sexo dos Anjos". Lembrei daquele antigo sonho de atuar no Grupo Curtura. Já tinha passado por ele, umas 3 vezes antes, mas essa foi especial, o melhor texto que já encenei. Tenho recordações dos ensaios, das apresentações, muito vivas dentro de mim. Foi tudo muito forte e essa peça nos orgulha muito. Além de trabalhar na biblioteca, as aulas no grupo de teatro continuaram. Um dia, Paulo me questionou sobre a peça que faríamos nesse ano. Me lembrei de "Somos Todos do Jardim da Infância", do quanto que gostava do texto. Sugeri que transformássemos
a peça num musical. Paulo topou na hora. Até estranhei, mas nem disse nada. Dividimos o grupo e começamos os ensaios, além do musical, da "Casa de Brinquedos" também. Num dia de extremo cansaço, de fadiga mesmo, estava de saco cheio, estressado, e num rompante, disse para o Paulo que pensava em sair fora do teatro. Ele foi enfático: "se você for sair, precisa me avisar logo, pois estava pensando em deixar a direção do 'Jardim da Infância' com você". Paulo me conhece muito bem e sabia que isso iria fazer com que mudasse de ideia. Minha cabeça deu um nó. Travei. Não ia nem frente, nem pra trás. As ideias não saíam. Foram noites de difíceis ensaios, a passos de tartaruga, e cada vez mais, me sentia culpado, frustrado. Numa noite dessas, resolvi que isso não me dominar mais. Criei vergonha na cara e comecei a trabalhar, mostrar tudo que sei. A peça começou a aparecer. Isso empolgou Paulo também, que me ajudou bastante nos equívocos que eu cometi no meio do caminho. Os ensaios se intensificaram. Era "ou vai, ou racha". E foi. A divulgação começou, as coreografias foram ficando prontas, os figurinos aparecendo, e o trabalhando ganhando forma.
Dia 25 de novembro de 2010! Chegou o dia da estreia. Vivi dias muito difíceis em 2010, com muitas perdas e desilusões, como acontece com todo mundo. Ainda é hora de crescer. Tem dia que acordo e vejo que não sei nada da vida, nem de mim. Os últimos dias foram de bomba-relógio. Pensei em alguns momentos que iria explodir. No dia da estreia, saí mais cedo da biblioteca. Fui pra casa, dormi bastante. Acordei muito nervoso, deprimido. Me tranquei no quarto, liguei o som. Cantei, cantei muito. Alegria, alegria; Soy loco por ti America, I want to hold your hand, Call me, Hey Jude... Me acalmei. Pensei em tanta coisa. também não caberia aqui. Coração estava em frangalhos, sem força, batendo ora rápido, ora devagar. Na SAT, andei de um lado para o outro. Todos estavam nervosos, a sua maneira. A peça começou. Meus pais estavam na plateia, e tivemos um público muito bom nessa noite. A voz do José Eli narrando as falas do autor veio primeiro. Logo depois, "We go together", do filme Grease, que sempre me encheu os olhos. E aí foi... Os meninos na sala de aula, tomando sorvete na Milka, dançando Elvis com as meninas na festinha. Veio a triste cena de desamor com Isabelle e Gabriel, sensibilizando. Depois, o xodó "Biquini de bolinha amarelinho" com as queridas Camila e Carolzinha, segurando as revistas Cláudia, tão coloridas e ousadas. "O bom" Neto fez graça no cinema, e depois do beijo, veio o tapa com o "Splish Splash". Os hilários Marco Antonio e Tales tomando um tenso café desigual, procurando solução para aqueles problemas tào complexos. O baile de formatura funcionou como panela de pressão para aqueles personagens. Claudinha surgiu, com nome de flor, trazendo beleza e perfume. Juliano tentando ganhar o primeiro beijo para seu personagem, mas o tiro saiu pela culatra, com o soco que levou do cadete, namorado da Norma. Veio a hora do "Rock around the clock", logo depois, a descoberta do amor com "Can't take my eyes off of you". Ane Caroline, nossa grande Carol, surgiu de vestido vermelho na frente da lua, que era poste. A tensão do vestibular com os delírios de "Get Back", dos Beatles, que apareceram bastante no espetáculo com "Hey Jude", "Let it Be", "Yesterday" e "I want to hold your hand", que relembrou os momentos dessa turma para plateia numa mistura de cinema e teatro.
O brinde findou. E a turma se calou. O Artur, do Rodrigo, tombou junto com o Brasil. E a peça enfim ganhou tons em preto-e-branco. Começava o período negro que nos libertaria só no ano em que nasci. A cor voltou. Veio o carnaval e aqueles queridos amigos cantaram: "eu te amo, meu Brasil, eu te amo". Os aplausos vieram. Plateia em delírio. Paulo emocionado, com os olhos marejados. Eu não estava diferente. A noite seguinte foi mais especial. Mais público, mais aplausos e a peça mais redondinha. Tudo saiu como queríamos. Meus pais me cumprimentaram no final e eu vi, novamente, meu pai com os olhos vermelhos de emoção, orgulhoso de mim.
Minha sensação é de que poderia ter trabalhado mais, ter deixado tanto de insegurança, e ter caído de cabeça na peça mais cedo, mas Deus entra de novo na história, e Ele sabe o que faz. O trabalho está aí, cumprido, e todos nós somos do jardim da infância, na hora de comemorar nossos êxitos. A arte liberta, conforta, nos inspira, nos faz crescer, compreender, aguentar. E eu rezo pra que ela esteja comigo, em minha vida, até o último dia, e que esse seja sempre o meu caminho.
Hoje ainda temos espetáculo, a última apresentação. E a noite ainda guarda muitas surpresas e muita emoção pra todos nós. E a nossa história nesse riacho da vida continua...

"Estou aqui de passagem. Sei que adiante um dia vou morrer de susto, de bala ou vício, num precipício de luzes, entre saudades, soluços. Eu vou morrer de bruços, nos braços, nos olhos, nos braços de uma mulher. Mais apaixonado ainda, dentro dos braços da camponesa, guerrilheira, manequim, ai de mim, nos braços de quem me queira."

"Eu vou, por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores vãos. Eu vou, por que não?"

Balada triste

Este blog é um diário pessoal, desde o início. Portanto, tudo o que conto aqui é verdade, mesmo que essa verdade não esteja completa em alguns casos. Afinal, não é tudo sobre nós que devemos expôr na internet. O fato é que, tudo que for importante para as histórias contadas aqui, está aqui, com uma pincelada maior nisso, naquilo e uma forma diferente de contar as histórias, com um pouquinho de ficção, para que fique interessante para quem lê. Este relato foi o mais difícil de escrever até hoje, o mais doloroso e o que mais demorou para ficar pronto. Me sinto tão machucado que achei que não conseguiria. Foram 3 tentativas e nenhuma deu muito certo.

Primeira tentativa

A casa amanheceu toda bagunçada. No meu quarto, o edredon estava no chão, e na cama desarrumada, várias peças de roupa amarrotada. Do lado, a pulseira verde do baile da noite anterior rasgada. O all star preto com meias suadas e encardidas também estava lá. Na mesinha da sala, um prato sujo com a pizza do almoço, um pano de prato e o notebook morrendo quase sem bateria. Na cozinha, os tapetes todos tortos pelo chão, e a caixa da pizza aberta em cima da mesa.

Segunda tentativa

São quase meia-noite de quinta-feira, dia 18 de novembro. Lá fora, o céu está estrelado. Eu não perdi a minha mania de criança de não entender porque é que o céu, depois de tanta chuva, ainda consegue mostrar as estrelas. Amanhã volto a trabalhar, depois de 2 dias de molho em casa, doente. Ainda estou me recuperando, tomando remédios que me fazem suar muito. Tem sido horrível. Fui ao ensaio da peça hoje, que, aliás, foi ótimo. A turma estava animada e deu gosto de ver. Amanhã eles apresentarão, num evento sobre a juventude tambauense, que ocorrerá na SAT, um número musical da peça. Ficaram sabendo disso hoje e saíram do ensaio felizes da vida. Depois do ensaio, Che apareceu na SAT, como combinamos. Faziam 4 dias que não o via. Durante esse tempo, o que eu mais quis foi reencontrá-lo, para realmente ver que está tudo bem entre nós. Fomos para o posto, conversando. Ficamos lá um tempo e fomos embora. Che estava animado, feliz, percebi que até queria ficar mais por lá. Eu não, eu queria mesmo era ir embora e pensar naquilo tudo. Tentei agir como se estivesse tudo bem, e eu até achei que estava, mas o nosso reencontro não me animou como eu esperava. Por um momento, eu desejei não estar ali.
Na principal rua do centro da cidade, passei e vi a primeira árvore de Natal desse ano, na vitrine de uma papelaria. Estava ouvindo “Wind of change”, do Scorpions, quando meu celular tocou. Era o Murilo, de Limeira. Ele já havia me ligado antes, mas estava no meio do ensaio e não pude atender. A ligação me espantou bastante. Pensei que nunca mais iríamos nos falar. Sempre é assim que acontece. Conversamos um pouco. Ele falou do emprego novo que apareceu, e que
não sabe se pega ou larga. A conversa resistiu até ele perguntar se estava tudo bem. Ele percebeu pela minha voz que não, nada ia bem. Tentei desconversar, disse que não era nada com ele. Foi quando ele perguntou do baile de sábado. E eu contei a história toda.

Terceira tentativa

O final de semana chegou novamente e dessa vez eu nem senti, nem rezei pra que chegasse logo. Hoje é sexta e meu relógio biológico está todo errado. É meu segundo dia de trabalho na semana. Depois do feriado de segunda-feira, fiquei mais dois dias em casa, de cama, por causa de um infecção na garganta que me pegou de jeito e quase acabou comigo. Estou sentindo um sono descomunal. Acordei atrasado hoje e ontem fui dormir tarde pra burro.
Na noite de ontem, aconteceu na SAT um evento que deu início a uma campanha em prol da juventude tambauense. Várias autoridades da cidade, psicólogos, assistentes sociais, nossos atores e alunos das escolas de Ensino Médio estiveram presentes. Para mostrar um pouco do que a juventude de Tambaú vem fazendo na área artístico-cultural, a banda Quantum's Loko's
foi a primeira a se apresentar. Neto, Wagner, Gabriel e Marco Antonio, que são atores da Quintal das Artes, fazem parte da banda, juntamente com Kadmo e Rodolfo, que são amigos deles. Logo depois, foi a vez da Dança Circular com os
alunos da Escola Padre Donizetti, ensaiados pela professora Ana, de Educação Física. Desse grupo, Carolzinha e Marcos, alunos da Quintal, fazem parte. E para fechar com chave de ouro, os atores da nossa peça "Somos Todos do Jardim da Infância", apresentaram dois musicais do espetáculo, vestidos com figurinos e tudo mais, e saíram de cena muito aplaudidos. Isso só aumenta a expectativa da estreia, que acontece na próxima quinta-feira, dia 25, às 21 hs na SAT.
Para assistirem o evento, Lis e Che apareceram. Depois de tudo, fomos os três para o posto, como há alguns dias não acontecia. Nosso papo foi agradável, com muitas risadas, muitas piadas. Nem tudo se perdeu entre nós nesses tempos difíceis que vivemos, o mais importante, que sempre foi nossa cumplicidade e nossa vontade de estarmos juntos, permanecem, mesmo que hoje nos vejamos de formas diferentes.
Lis e eu acompanhamos Che até o Cruzeiro. Ele queria ir conosco até mais lá embaixo, mas Lis e eu não quisemos. Nos despedimos e seguimos o caminho. Lis e eu ouvíamos "Let it be", no meu celular. Uma cadelinha muito simpática nos acompanhou até perto do hospital. Esperando o pai da Lis aparecer, sentamos na sarjeta, ouvindo a música, com a cadelinha olhando piedosamente pra nós. Lis, rompendo o silêncio verbal, disse:
- Como a noite hoje está nostálgica!...
- É o ano que está acabando... - disse eu, sentindo o mesmo.
Hoje a noite, começa o Motofest. Eu planejei tanto com os meninos, queria tanto ir. Hoje também tenho ensaio. Depois, do ensaio, talvez apareça por lá. Sei lá qual é a minha vontade e o que eu devo fazer... Me sinto tão mal essa semana, desde sábado. Nunca mais fui o mesmo. É como se eu sofresse de um grande mal, calado, silencioso e sombrio, que pesa.

A parte mais difícil

Num sábado animado como há muito tempo não acontecia, levantei tarde pra caramba, atualizei meu blog e saí. Passei na loja, comprei meu ingresso para o baile havaiano e fui pra SAT, para mais um ensaio da peça. Ensaiamos exaustivamente as coreografias e depois, a peça toda. Saímos de lá quase 7 da noite. Che me ligou e ficou tudo certo para irmos ao baile a noite, o último que ele iria antes da cirurgia que terá que fazer. Foi então que ouvi Neto perguntando para os meninos se eles iriam na cachaçaria naquela noite. Acabei descobrindo que a banda Over Rock, que faz um rock’n roll da hora, iria tocar na cachaçaria a noite. Cheguei em casa e liguei para o Che, que topou tentar vender os ingressos do baile na porta do clube, e trocar de balada. Mais a noite, estava na avenida no centro da cidade, quando Che e Cesinha passaram de John Móvel e me deram uma carona. Paramos na praça, onde encontramos Maikinho, Elton e os outros meninos. Eram 10 e meia da noite e nada tinha ficado decidido sobre qual seria a balada da noite. Che e eu queríamos ver o Over Rock. Maikinho queria ir no baile. Cesinha queria ir ver o Over Rock, mas não queria deixar Maikinho sozinho no baile. Parei de falar no assunto e me conformei em ir ao baile havaiano mesmo. O mais importante para mim era estar entre amigos naquela noite que já era, de certa forma, especial.

O baile começou animado. Logo que entramos, fomos ao bar. Não bebemos nosso vinho habitual naquela noite e estávamos todos secos. Comprei a promoção de cerveja, que me rendeu 4 fichas. Dei 2 para o Che, que sabia estar meio sem grana esse mês por causa dos gastos com o John Móvel. Eu não estava muito bem para beber e Che tinha dito que não beberia muito, já que estava dirigindo. Cesinha e Maikinho estavam afim de enfiar mesmo o pé na jaca. Logo Leandro se juntou a nós. O show não havia começado e, por isso, fomos para a pista. O clube estava lotado de gente e fazia um certo frio lá fora.

Estava fazendo um grande esforço para me divertir, porque queria mesmo era estar no Over Rock. A essa altura, o show da banda Opus já tinha começado ao lado da piscina. Cesinha, Maikinho e Leandro tomaram vodka de frutas vermelhas e estavam visivelmente alterados. Quando eles ficam assim, perdem o pudor e aí já viu, ficam correndo atrás de rabo-de-saia, como tontas aleluias batendo a cabeça na lâmpada, andando pela balada de um lado pro outro. Minha cerveja acabou e chamei o Che para irmos ao bar. Comprei 4 fichas de cerveja e estava pensando em dar mais 2 pra ele, mas ele acabou comprando também uma dose de vodka. Na hora, deixei bem claro minha desaprovação. Não é por nada, mas ele era o único que estava dirigindo. Os outros todos não tinham esse compromisso naquela noite. Che entendeu o que estava dizendo e disse que a vodka não estava forte. O fato é que os outros 3 estavam bem bêbados com a mistura vodka e cerveja, e ali, o baile pra mim já tinha terminado. Quis ficar longe, disse pro Che que queria ficar sozinho e fiquei, um bom tempo, perto da academia, bebendo cerveja e fumando, fumando e bebendo cerveja. Depois, o encontrei e avisei que ia embora. Ele quis saber o porquê, Inventei uma desculpa qualquer, disse que não iria me despedir dos meninos para não ter que explicar nada. Che quis me acompanhar até lá fora, mas se ele saísse, não poderia mais entrar, então não deixei que fizesse isso.

No caminho, fui chutando lata. Peguei o colar havaiano de papel que entregaram na porta do baile e amassei bem forte na mão, depois joguei por aí. Na mesma rua do clube, na frente de um outro baile que acontecia mais acima, vi outro personagem desse blog que arrumou muita confusão e está meio sumido. Fiz com que não percebesse que algo havia acontecido e passei numa boa. Acho que não percebeu.

Essas noites causam uma ressaca terrível no dia seguinte, maior do que se tivesse bebido uma garrafa de vodka sozinho. Acordei com a história na cabeça e tentando entender o que tinha acontecido. Tinha vários motivos pra me irritar, pra ficar mal, mas nenhum se comparava com o que viria depois. Meus pais tinham ido para o sítio de alguns amigos. Estava só em casa. Minha mãe deixou uma pizza na geladeira para que eu assasse. Era melhor mesmo ter a casa vazia, assim não teria que explicar nada sobre minha cara horrível. Entrei no msn. Logo Che apareceu. Nos dias em que brigamos, sinto muita vontade de falar com ele depois, me acertar, dizer "ah, vamos deixar disso, você é meu chapa!", mas eu sou orgulhoso, e ele também, apesar de ser quem sempre vem puxar papo. Ele puxou papo naquela tarde, queria saber se estava tudo bem, se eu estava puto com ele, com alguma coisa. Eu disse que não, que estava tudo certo, e que nos falaríamos na terça-feira. Foi o que bastou para que uma longa e triste conversa começasse. Foi a maior e mais triste de todas. Dessa vez, nem eu previa o resultado dela. Não fomos estúpidos, não xingamos. O tom da conversa foi sóbrio, de certa forma, mas lentamente, o papo foi desenterrando um monte de histórias, de problemas que, se não foram resolvidos, estavam mortos e enterrados. Não tão mortos assim. Esses fantasmas voltaram naquela tarde pra assombrar e causaram um estrago terrível. Foram meses tentando lutar contra esses fantasmas, foi uma luta difícil, que envolvia muita gente e muitos detalhes. E agora, tudo estava sob a mesa, exposto, pronto pra levar a primeira mordida de quem quisesse se deliciar. Eu quebrei, rachei. Eu não tinha interesse nenhum de que isso acontecesse, até porque iria contra minha própria verdade sobre tudo. Mas aconteceu e a verdade era outra, mais dolorosa e cruel, e não aguentaria mesmo ficar sufocada mais tempo.

Che e eu nos falamos de novo a noite. Conversamos e ficou tudo bem. Ele não quis sair naquela noite, e eu não saí também. No dia seguinte, de manhã, comecei a me sentir mal. Estava com muita dor no corpo. A tarde, fui para o ensaio da peça na SAT. Foi o dia em que o Paulo levou a vitrola que irá compor o cenário. No ensaio, eu fiquei bem, não estava com dor, nem nada. Quando cheguei em casa, liguei para o Che. A essa altura, já estava com febre de novo. Pensei até em sair, mas daquele jeito não dava. Naquela noite, eu rolei na cama a madrugada inteira. De manhã, meus pais me levaram ao Pronto Socorro. O hemograma indicou que era uma infecção na garganta. Foi uma semana tomando antibiótico e mais 2 remédios por dia. Hoje, eu estou bem. Não tenho mais febre, nem dor no corpo. A garganta arranha um pouco ainda, mas é suportável. Por dentro, eu estou quebrado. Sabe aquela sensação de que você não tem mais controle de nada e entao você se sente anestesiado? Eu cansei, cansei mesmo, de tudo isso. E agora eu não tenho forças pra reagir. Me sinto vencido. Desde aquele domingo, eu nunca mais fui o mesmo. O que pensava ser bonito e cheio de glória em minha vida, virou um quadro negro, impossível de decifrar, e que apagou principalmente quem eu era e quem eu tentava ser. É, ninguém pode fugir da vida não, tentar tapar o sol com a peneira. Mais cedo ou mais tarde, a verdade volta e ainda mais violenta. Antes, eu sabia lidar com tudo, ter controle, o que não estou conseguindo agora. Mas tudo vai ficar bem, na hora certa.